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Democracia universitária em risco

O ano de 2018 foi marcado pela turbulência política e a vitória de um projeto antidemocrático e conservador para governar o país nos próximos 04 anos. As entidades do serviço público, em especial FASUBRA, ANDES e UNE, já alertavam que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) vivenciariam momentos de crise profunda dentro dos seus orçamentos e na liberdade na elaboração da ciência e do conhecimento. Entretanto, para além de tais fatores, a análise já abordava ataques diretos à democracia e à autonomia universitária a fim de garantir que a educação superior fosse tutela das convicções do governo federal.

Em 17 de dezembro do corrente ano o Ministério da Educação divulgou a nota técnica de número 400/2018/CGLNES/GAB/SESU/SESU que discorre sobre o processo de escolha dos dirigentes das IFES no próximo período. O processo foi dividido em dois momentos principais, um primeiro analisando as consultas eleitorais à comunidade universitária e o segundo acerca dos ritos a serem respeitados na eleição formal dentro dos Conselhos Universitários.

As consultas eleitorais, por mais que ainda necessitem de aperfeiçoamento, foram uma saída democrática que representou grande avanço para as universidades e para a gestão pública da educação e da ciência. Garantir que os três segmentos, docentes, discentes e técnico-administrativos, participem ativamente na escolha do próximo reitor foi  fundamental para potencializar o compromisso institucional das categorias com a vida acadêmica e administrativa das IFES. Na época das primeiras consultas foi adotado o peso diferenciado de 70% para os docentes.

Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) a primeira consulta eleitoral elegeu o Prof. Dr. Nestor Barbosa de Andrade, da Faculdade de Medicina, para gerir a universidade enquanto primeiro reitor do campo progressista na instituição. Mesmo com a vitória, a Presidência da República, naquele momento Fernando Collor, se negava a reconhecer o Prof. Nestor como representante da comunidade universitária da UFU e, logo, seu dirigente de direito. Para garantir o respeito à autonomia e à democracia universitária técnicos, docentes e discentes fizeram uma grande greve de mobilização, ocupando a reitoria e fazendo protestos, e acompanharam, até Brasília, o reitor eleito para exigir sua posse. O movimento pela posse do Prof. Nestor mostrou que corre nas partes mais íntimas da UFU o movimento pela democracia universitária e pelo respeito à autonomia nas formas de escolha de seus dirigentes.

Já em 1996 na consulta eleitoral que elegeria o retorno do campo conservador à direção da universidade com o Prof. Gladstone Rodrigues da Cunha Filho os segmentos técnico-administrativo e discentes não se contentaram com a resolução 06/1996 do Conselho Universitário (CONSUN), que instituía novamente o peso de 70% para os docentes na consulta eleitoral para a reitor e vice-reitor. Com a campanha “NÃO VOTO” o Diretório Central dos Estudantes (DCE) conseguiu fazer com que cerca de 80% do corpo discente não participasse do pleito. Entretanto, mesmo com a clara insatisfação discente com o processo e com a massiva participação docente o CONSUN chancelou a eleição do Prof. Gladstone que geriu a universidade até o ano de 2000.

No início do século XXI e com a aproximação da efervescência social que elegeria Luís Inácio Lula da Silva o primeiro presidente popular do Brasil, o movimento estudantil e os técnico-administrativos em educação (TAEs) fizeram amplas e massivas movimentações para garantir o primeiro pleito paritário na universidade. E foi com uma formação e intervenção de extrema qualidade no CONSUN que, com voto de dois terços do conselho, foi instituída pela primeira vez a paridade na consulta eleitoral para reitor e vice-reitor na UFU. Conferindo assim, o peso de 1/3 para cada uma das categorias da universidade. Desde então, foram eleitos paritariamente os professores Arquimedes Diógenes Cilone, de 2001 a 2008, Alfredo Júlio Fernandes Neto, de 2009 a 2012, Elmiro Santos Resende, de 2013 a 2016, e Valder Steffen Júnior, de 2017 e irá até 2020.

Mobilização de TAEs e discentes pela paridade nas consultas eleitorais para a reitoria. (Imagem: Arquivo de Edson Pistori)


TAEs se fortaleceram para defender a paridade. (Imagem: Arquivo de Edson Pistori)


É importante resgatar a história da UFU e suas lutas históricas para que a compreensão do momento atual seja completa e que não se permita retrocessos. O documento divulgado pelo MEC alega que as consultas paritárias são ilegais e que qualquer resultado será desconsiderado. A universidade pública sempre resistiu e se propôs a avançar em uma gestão pública democrática e plural, garantindo que os diferentes atores que dela participam possam opinar e disputá-la, afinal ela é o campo das ideias e da produção de ciência e conhecimento. É imperativo resistir aos retrocessos de forma sistêmica e exigir que um reitor, democraticamente eleito, se posicione contrário a tais medidas e seja a liderança universitária não só administrativa mas de garantir os avanços conquistados e a autonomia duramente conquistada.

Para além dos conflitos em relação à consulta eleitoral há também problemas na interpretação sobre a lista tríplice a ser elaborada pelo CONSUN. Não há mais possibilidade de se inscreverem chapas dentro dos colegiados e, sim, votação separada para o Reitor e Vice-Reitor conferindo assim cada vez maior influência do governo federal na composição das gestões.

Antes mesmo de Jair Bolsonaro assumir a presidência da república seu time de transição em parceria com o governo Temer já demonstram que a democracia não é algo de grande valor dentro do seu projeto. A primeira democracia a ser atacada é aquela que vêm de um campo crítico da sociedade e produtor da ciência e do saber no país. Os sinais são claros e a ciência corre o risco de ser tutelada e manipulada de acordo com a vontade dos governantes e não com os anseios da comunidade universitária. O momento pede mobilização e resistência. Os técnicos-administrativos em educação devem, desde já, se unificarem com os professores do campo progressista e com o corpo discente em um amplo movimento em defesa da democracia e da autonomia universitária!

Pela universidade pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada e DEMOCRÁTICA marcharemos e resistiremos!

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